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O escultor Mario Cravo me acompanha na cidade. É tudo azul, até o calor. Acostumada ao Azul Mediterrâneo, conheço aqui o azul tropical que vai até o cinzento.
L.B.B., Salvador, 1958.

A observação de Lina Bo Bardi sobre sua chegada à Bahia traduz mais do que uma impressão cromática. É o marco de uma transformação sensível e conceitual em sua carreira, que redefiniria sua relação com a arquitetura, a cultura e o Brasil. Sua passagem pelo território Baiano, em suas duas fases, representou um marco decisivo em sua trajetória como arquiteta, designer, curadora e tantas outras funções que tomaria a frente do Museu de Arte Moderna da Bahia enquanto sua diretora na década de 1960. Imersa na cultura popular e nos saberes tradicionais, Lina encontrou em Salvador um território fértil para aprofundar sua visão de arte e de uma arquitetura brasileira genuína, enraizada nas expressões culturais do cotidiano.

 

Lina encontrou na Bahia algo radicalmente novo: uma atmosfera viva, sincrética e popular, em que as fronteiras entre arte, religião, arquitetura e cotidiano se dissolviam. Ao lado de pessoas como Martim Gonçalves, Glauber Rocha e Mário Cravo Júnior, mergulhou no universo afro-brasileiro e nas expressões populares, percebendo ali uma força cultural que contrastava com os modelos modernistas importados. Sua atuação na Universidade Federal da Bahia e o consequente convite pelo Governador Juracy Magalhães e sua esposa Lavínia Magalhães para dirigir o Museu de Arte Moderna da Bahia num momento de efervescência cultural possibilitaram criar um campo para concretizar um desejo de integrar o fazer artístico ao cotidiano, criar espaços acessíveis e vivos fomentando a educação.

 

O foyer do Teatro Castro Alves, uma das poucas partes poupadas pelo incêndio que destruiu grande parte do prédio na véspera de sua inauguração, acabou se transformando em um espaço de experimentação para Lina Bo Bardi que incluiu teatro, exposições de arte e cinema. Ali, ela começou a dar forma à sua ideia de museu como lugar vivo, democrático e com viés educativo. As exposições que organizava ali não seguiam os moldes tradicionais: ao contrário, desafiavam os conceitos estabelecidos de arte e provocavam novas leituras sobre o fazer artístico. Com um olhar sensível e uma curadoria atenta, Lina trouxe à tona nomes como Agnaldo dos Santos, João Alves e Aurelino dos Santos — todos presentes nesta exposição —, colocando-os lado a lado com grandes mestres do Renascimento. Seu gesto não era apenas estético, mas também político e cultural: reconhecia a força criativa dos artistas populares e questionava a hierarquia dominante no mundo da arte.

 

Foi também nesse contexto efervescente que nasceram algumas das criações mais singulares de mobiliário da arquiteta. Para a instalação de um auditório-cinema dentro do museu, Lina desenhou poltronas especialmente para o cineclube. Essas peças, agora reeditadas pela Baraúna, ganharam o nome de “Poltrona Sertaneja”. Feitas a partir de materiais simples e locais — madeira, couro, fibras naturais —, elas revelam o compromisso de Lina com a funcionalidade e a cultura local. Da sua segunda visita a Salvador, no final dos anos 1980, surgiram peças de mobiliário igualmente emblemáticas como a Cadeira Frei Egídio desenhada para o Teatro Gregório de Mattos e a cadeira Girafa, desenhada para a Casa do Benin, também presentes na exposição.

 

Assim, o azul tropical foi, para Lina Bo Bardi, mais do que paisagem — foi revelação. Um ponto de virada que reforça uma filosofia de atuação voltada ao entorno, às pessoas e às tradições locais. A partir de uma experiência que valorizava o artesanal e o gesto popular suas criações passaram a ser espaços de encontro — entre o passado e o presente, entre o artesanal e o moderno. Projetos como o SESC Pompéia, iniciados após essa vivência, são claros exemplos de um compromisso ético e social para com realidade brasileira. A Bahia não foi apenas um lugar de passagem, mas um espaço de profunda transformação.

 Weslley Pontes

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